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TUDO SOLTO E MISTURADO


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Profunda Clarice.

'a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la' p.10

'Ontem no entanto perdi durante horas e horas minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação a: ser? (...) Mas porque não me deixo guiar pelo que for acontecendo?Terei que  correr o sagrado risco do acaso' p. 11.

'Não sei o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir.Mas, quando eu estava presa, estava contente?' p.11

'Cedo fui obrigada a reconhecer, sem lamentar, os esbarros de minha pouca inteligência, e eu desdizia o caminho. Sabia que estava fadada a pensar pouco, raciocinar me restringia dentro de minha pele. Como pois inaugurar em mim agora o pensamento? e talvez só o pensamento me salvasse, tenho medo da paixão.' p. 13.

Terei que ter a coragem de usar um coração desprotegido e de ir falando para o nada e para o ninguém?' p. 13.

Para que eu continue humana meu sacrifício será o de esquecer? (...) Eu vi. Sei que vi porque não dei ao que vi o meu sentido. Sei que vi - porque não entendo. Sei que vi - porque para nada serve o que vi. Escuta, vou ter que falar porque não sei o que fazer de ter vivido. Pior ainda: não quero o que vi. O que vi arrebenta a minha vida diária. Desculpa eu te dar isto, eu bem queria ter visto coisa melhor. (...) Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão(...) Oh pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha.'' p. 15-16.

'Ir para o sono se parece tanto com o modo como agora tenho de ir para a minha liberdade' p. 16

'É preciso coragem para me aventurar numa tentativa de concretização do que sinto. (...) Será preciso coragem para fazer o que vou dizer: dizer. E me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi e terei de acrescentar: não é isso! não é isso! Mas é preciso também não ter medo do ridículo, eu sempre preferi o menos ao mais por medo também do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor. Adio a hora de me falar. Por medo? E porque não tenho uma palavra a dizer. (...) Mas se eu não forçar a palavra a mudez me engolfará para sempre em ondas. (...) Sinto que uma primeira liberdade está pouco a pouco me tomando. (...) Quanto eu devia ter vivido presa para sentir-me agora mais livre somente por não recear mais a falta de estética...(...) perdi o medo do feio.' p. 18-19.

'Estou mais cega do que antes. Vi, sim. Vi, e me assustei com a verdade bruta de um mundo cujo maior horror é que ele é tão vivo que, para admitir que estou tão viva quanto ele (...) terei de alçar minha consciência de vida exterior a um ponto de crime contra a minha vida pessoal' p. 20.

'É que um mundo todo vivo tem a força de um Inferno'. p.21.

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